Futebol em Números

Complexo de vira-lata na Libertadores

Rodolfo Rodrigues

Entre o início da Libertadores, em 1960, até os anos 1990, os clubes brasileiros venceram apenas cinco das 30 edições, sendo duas com o Santos de Pelé. Na década de 1990, após o bi do São Paulo de Telê Santana, em 1992/93, houve uma mudança radical. Em 22 anos (entre 1992 e 2013), os clubes brasileiros participaram de 19 finais e ficaram de fora de apenas três decisões (1996, 2001 e 2004). Foram 12 títulos, duas finais caseiras (2005 e 2006) e sete vices. Retrospecto digno pela força do país no continente.

Nos últimos três anos, porém, o desempenho dos times brasileiros na Libertadores têm sido pífio. Principalmente em um período em que os elencos das equipes brasileiras valem muito mais do que de nossos rivais sul-americanos e mexicanos.

Em 2014, três clubes caíram logo na fase de grupos (Atlético-PR, Botafogo e Flamengo). Um recorde desde que a competição mudou seu formato, em 2000. Nas oitavas, caíram Grêmio e o então campeão Atlético-MG. Já nas quartas foi a vez de o Cruzeiro ser eliminado pelo San Lorenzo, que já havia despachado o Grêmio.

Em 2015, São Paulo e Atlético-MG foram eliminados nas oitavas por Cruzeiro e Inter. Já o Corinthians, grande favorito, caiu diante do pequeno Guaraní-PAR. Nas quartas, o Cruzeiro foi eliminado pelo River Plate ao perder de 3 x 0 em casa. Já na semifinal, o Inter não foi páreo para o Tigres-MEX. Assim, os brasileiros ficaram de fora de duas finais seguidas. Algo que não acontecia desde 1991.

Em 2016, o São Paulo passou pela fase preliminar precisando se esforçar bastante para eliminar o fraco Universidad César Vallejo-PER. Na fase de grupos, perdeu incrivelmente para o sempre saco de pancadas The Strongest e arrancou a classificação na Bolívia com muito sufoco. Já o Palmeiras, que iniciou a competição com o 5º elenco mais valioso, acabou eliminado na fase de grupos.

Ontem, pelas oitavas de final, os três brasileiros que jogaram não marcaram gols. O Grêmio, em casa, foi derrotado com justiça pelo Rosario Central, em casa, por 1 x 0. O Atlético-MG até criou algumas chances de gol, mas ficou no 0 x 0 com o Racing, na Argentina. O Galo, avaliado em 64 milhões de euros, contra o Racing (40 milhões) e hoje apenas o 14º no Campeonato Argentino.

Já o Corinthians (64 milhões) não deu um chute a gol certo contra o Nacional (19 milhões), em Montevidéu. Mesmo em reconstrução, o time do técnico Tite conta com um elenco muito mais forte do que o time uruguaio, que tem o zagueiro Victorino como titular. O jogador quase nem entrou em campo por Palmeiras e Cruzeiro nos últimos quatro anos.

Até agora, em 18 jogos fora de casa na Libertadores de 2016, os clubes brasileiros venceram apenas três jogos. O Atlético-MG contra o Melgar-PER (que não pontuou na Libertadores), o Corinthians contra o Cobresal-CHI (que só venceu um jogo e levou de 6 do próprio Corinthians reserva em São Paulo) e o Grêmio, contra o LDU Quito-EQU, que já estava desclassificado na última rodada da fase de grupos.

O São Paulo (79 milhões), outro brasileiro nas oitavas, joga hoje contra o Toluca (32 milhões), no Morumbi. O clube mexicano é apenas o 11º no campeonato nacional e não deverá se classificar para a fase final, entre os oito primeiros. Ainda assim, há um certo favoritismo do Toluca pela campanha realizada na primeira fase da Libertadores.

Jogar pelo 0 x 0 fora de casa é algo que jogadores e treinadores brasileiros acham excelente. Não perder, não levar gol se torna o principal objetivo, independentemente do adversário. Sendo ele o The Strongest, o Cobresal, o River Plate ou o Nacional. É muito pouco para o futebol brasileiro. Assumir essa inferioridade é algo inadmissível. Seria ótimo ver nossos times jogando para frente fora de casa, buscando a vitória. Resolvendo a parada logo no jogo de ida. Um gol do Nacional em São Paulo tornará o jogo do Corinthians um caos. Uma virada necessária viria com muito esforço (ou nem aconteceria).

Com a farta transmissão do futebol europeu nos canais da TV brasileira, dá gosto de ver os grandes times se impondo diante dos pequenos nos campeonatos nacionais, na Liga dos Campeões ou na Liga Europa. Enquanto que aqui, sofremos para ver bons jogos dos grandes pela TV. Dá para contar nos dedos as boas apresentações dos grandes em partidas pelo Brasileirão, Estaduais e Libertadores fora de casa. Não é de se espantar que um técnico um pouco mais ousado consiga sucesso, como Fernando Diniz pelo Audax Osasco.

E o triste é saber também que a Seleção Brasileira também passa pelo mesmo processo. Um jogo contra o Paraguai, pelas eliminatórias, virou um dos mais complicados na história. Quando jogamos contra o Chile, Uruguai, Colômbia e Argentina, fora de casa, achamos que o empate já é um ótimo resultado. Até contra o Equador o confronto em Quito vem sendo encarado como complicado.

Depois do trauma da derrota da Copa do Mundo de 1950, Nelson Rodrigues criou a expressão ''Complexo de vira-lata'', por conta do sentimento de inferioridade que o brasileiro se colocava diante do mundo. E não só no futebol. Hoje, pós-vexame do 7 x 1 na Copa de 2014, passamos pelo mesmo período.